Vulva – Você Conhece?!
Quando tratamos sobre masturbação, dissemos ser impossível debater o tema sem recair nos muitos tabus que a prática enfrentou ao longo da história. Uma das causas desses inúmeros tabus é a percepção também hostilizada sobre os órgãos sexuais – e, claro, novamente o órgão feminino ganha um ideário com muito mais censura.
Censura, nesse contexto se refere à impessoalização da região, à construção da imagem de que os órgãos sexuais são feios, sujos e que não devem ser tocados ou gerar qualquer tipo de interesse. Tais termos são comumente usados por pais e responsáveis para ensinar às crianças que a região exige cuidados específicos e não podem ser expostas como as demais partes do corpo.
E realmente não podem! A região íntima exige sim cuidados diferentes, mas não porque sejam feias, sujas ou não devam ser tocadas, não é mesmo? O problema é que ouvimos isso por toda a vida, seja na infância, na adolescência ou quando adultos e isso contribui para o distanciamento que criamos e que muitas vezes se torna quase impossível de diminuir conforme crescemos.
Entre os efeitos de perceber a região genital como algo ruim, pejorativo e que cause vergonha e desconforto está a dificuldade que temos em saber como tratar as questões da intimidade – quem aqui não fica desconfortável ou com vergonha de falar sobre ou pedir informações sobre a intimidade a médicos, amigos ou até mesmo aos próprios pais?
Muitos podem falar “sim, mas faz sentido ser difícil abrir sua intimidade para outras pessoas – é para ser algo, de fato, íntimo” Com certeza! Mas essa dificuldade pode acarretar em questões sérias de saúde na população. Não acredita? Vejamos:
Autoconhecimento – Como é minha vulva?
Em pesquisa recente realizada pela Nielsen Brasil, percebeu-se que 68% das mulheres entrevistadas têm alguma questão com sua região íntima, fazendo com que se sintam insatisfeitas com a própria genitália.
Por mais estranho que pareça, a insatisfação com a genitália geralmente se dá pela aparência. Sim, assim como criamos um modelo ideal de corpos, há também um suposto modelo ideal para vulvas – apesar de isso não fazer o menor sentido! É completamente normal (e esperado) que os órgãos genitais tenham uma ampla gama de formatos, cores e tamanhos que configurem a unicidade à região íntima assim como temos em todas as demais partes do corpo e que conferem a cada pessoa a sua própria individualidade – característica básica do que é ser humano.
Não é muito estranho que as pessoas desejem ter uma vulva diferente ou restrinjam sua relação com a região íntima por achá-la feia ou esteticamente inadequada?
Uma das causas para que essa pressão social pela estética ideal da região íntima realmente seja aceita e seguida pelas pessoas é justamente o desconhecimento. Desconhecimento esse oriundo do não falar sobre os genitais, não observá-los, não tocá-los, não conhecê-los e acreditar que há apenas um formato padrão que deve ser atingido. Se você não acredita, veja esses números:
- 15% das participantes da pesquisa não olham para a vulva diariamente;
- 25% não costumam tocá-la;
- metade confunde a imagem da vulva com a da vagina.
Como podemos esperar que as mulheres se sintam confortáveis e satisfeitas com suas vulvas se nem sequer a conhecem?!
Consequências do Desconhecimento para a Saúde
E se as mulheres não conhecem sua própria vulva, como elas poderão identificar quando há algo de errado com elas? Quando falamos e ouvimos a vida toda que nossa genitália é feia e suja, as chances de entendermos como normal um odor diferente ou uma secreção escurecida aumentam.
Assim, as maiores preocupações das mulheres quanto à saúde de suas vulvas tendem a ser sobre a aparência e não realmente a fatores relacionados à saúde. E a preocupação com a aparência cresce à medida que o tempo passa, seja por um maior acesso a imagens de vulvas (pornografia, arte, ensaios fotográficos, etc) ou uma abordagem mais ampla sobre a intimidade. E essa preocupação pode também não ser saudável.
Um dos sinais mais fortes que essa expectativa distorcida sobre suas próprias genitálias está atingindo níveis não saudáveis é que a aparência indesejada da vulva causa ansiedade nas mulheres por se sentirem diferentes das demais, buscando intervenções (até mesmo cirúrgicas) para modificar o aspecto de suas vulvas. Essa é uma tendência percebida em todo o mundo, mas registrada em pesquisa realizada com mulheres pacientes do hospital Royal Children’s Hospital, em Melbourne, na Austrália. O mais impactante é que a insatisfação e a ansiedade por ela gerada foram identificadas até mesmo em pacientes de apenas 11 anos – idade em que nem se espera que essa preocupação aconteça.
É justamente por isso que precisamos ter mais atenção à maneira como abordamos os cuidados com a região genital com as crianças. Esse é um tema que deveria ser debatido aberta e conscientemente pela família, pela escola e pelos profissionais de saúde que acompanham o desenvolvimento desde a infância, evitando assim que incômodos desnecessários e não saudáveis surjam e abalem a saúde física e mental das pessoas e, por consequência, também, posteriormente, a sexualidade.
A saúde da região íntima vai muito além da estética da região, que, na maioria das vezes pouco importa do ponto de vista anatômico e de saúde. O importante, segundo ginecologistas, é que toda mulher conheça e compreenda as estruturas anatômicas da vulva, as variações de secreção consideradas saudáveis ou não, as diferentes fases do ciclo menstrual e quais sensações são normais ou podem indicar algum possível problema, como infecções, desequilíbrio ou doenças.
Esconder ou censurar a região íntima não ajuda a proteger a intimidade das pessoas, pelo contrário, pode trazer riscos de que ela seja desrespeitada, invadida ou negligenciada. Olhemos para nossas vulvas com mais cuidado e carinho e assim poderemos ter uma relação muito mais saudável e segura com nossos próprios corpos!
Imagem Destacada por Deon Black via Unsplash