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Homossexualidade no Reino Animal

Ao pesquisar sobre os Grandes Tabus do Sexo, percebemos uma série de curiosidades sobre a sexualidade de diversas espécies animais que remetem a fortes ligações com o comportamento sexual humano.

Uma das principais e mais recorrentes foi quanto à homossexualidade, um comportamento bastante comum entre os animais e que só recentemente vem ganhando ares de normalidade entre os humanos. No reino animal, apesar de muitas espécies terem raros eventos de sexo homossexual, geralmente ocorrendo apenas quando não há disponibilidade de parceiros heterossexuais adequados, há outras espécies que apresentam clara preferência homossexual à revelia da presença de possíveis parceiros heterossexuais no ambiente.

É claro que cada espécie apresenta um comportamento próprio e uma relação específica com o sexo, principalmente com o sexo homossexual, mas esse é um padrão largamente disseminado no reino animal, sugerindo aos especialistas que a homossexualidade confere vantagens e benefícios para a sobrevivência das espécies, principalmente como ferramenta social.

 

Sexo Casual – A Busca por Prazer e Afetividade

Os símios são a ordem primata na qual está incluída a espécie humana e também os gorilas, chimpanzés e bonobos. Em outras palavras, os símios são nossos parentes mais próximos. E são também o grupo animal que encontramos mais similaridades no padrão comportamental sexual com o Ser Humano.

Na comparação com essas espécies, a sexualidade humana é mais próxima ao padrão comportamental dos bonobos, sendo o ponto comum mais marcante entre as duas espécies o sexo casual – uma forma prazerosa de consolidar vínculos sociais e aliviar tensões.

E quais as vantagens do sexo casual? Veja algumas:

Redução da Agressividade

Através da realização de várias pesquisas e observações, o sexo casual é apontado como um dos fatores responsáveis pelo controle da violência entre os indivíduos da espécie. Os bonobos, que praticam sexo casual regularmente, são conhecidos por serem uma versão mais tranquila e pacífica dos chimpanzés.

Outra espécie que adotou o sexo casual como padrão são os humanos. Essas são reconhecidamente duas das espécies que atingiram uma redução significativa nos indíces de agressividade e uso de força física como ferramenta social em comparação com seus parentes evolutivos, estabelecendo a paz e a harmonia como padrão social de comportamento.

Não à toa é uma premissa comum tachar atitudes e reações violentas como traços animalescos e selvagens, pois o autocontrole e a pacifividade são conquistas evolutivas. Também explica a origem da piada de cunho sexual que defende que a agressividade e irritabilidade excessivas são sintomas da falta de sexo (vale lembrar que isso não quer dizer que essa seja uma piada de bom tom!).

Formação de Vínculos

Outro ponto interessante são as alianças entre fêmeas bonobas, que unem-se para garantir proteção contra investidas indesejadas, neutralizando a vantagem física dos machos e garantindo a prevalência de sua vontade própria e segurança. Em estudo científico publicado na revista Hormones e Behaviour (citado ao final do texto), foi percebido que fêmeas que mantinham mais relações sexuais entre si também tendiam a se aliar para garantir seu acesso ao alimento, sua posição na comunidade e defender-se de ataques de machos.

Importante ressaltar que a relação sexual entre fêmeas não é condicional para o suporte entre elas. As coalizações femininas são muito mais comuns que o apoio entre machos mesmo quando não há interação sexual entre elas, mas, quando há, a propensão à união e colaboração é maior.

Nessa mesma linha, o sexo homossexual também vem sendo apontado entre os animais como forma de promover uma maior confiança entre indivíduos sem parentesco direto. Essa hipótese é devido ao fato do sexo entre indivíduos de mesmo gênero causar a liberação de hormônios relacionados às sensações de confiança e proximidade, promovendo uma maior cooperação entre os parceiros.

Uma ideia muito fácil de compreender pela experiência humana do sexo, não é? Afinal, a relação que temos de cumplicidade, intimidade e segurança com parceiros sexuais (seja em relacionamentos estáveis ou casuais) é muito mais fácil e rapidamente desenvolvida que com relações de amizade que não envolvem sexo. Essas geralmente exigem anos de parceria e provas de lealdade para consolidar a plena confiança, enquanto apenas algumas semanas ou meses de relacionamentos sexuais nos inspiram graus similares de confiança no parceire, não é mesmo?

A conclusão geral da análise do sexo entre bonobos – a espécie com comportamento mais próximo da humana – é de que o sexo é usado para manifestar a intenção de interação e associação pacíficas e amistosas com diferentes indivíduos do grupo, não necessariamente com a intenção de formar um núcleo familiar ou procriar, apenas como uma consolidação de vínculos sociais mais íntimos e socialmente benéficos para ambos, sem necessiadade de fidelidade ou exclusividade sexual.

Paz Comunitária

Tal comportamento também já foi percebido em golfinhos, que optam pelo sexo homossexual para estimular vínculos sociais que facilitem a colaboração entre os indivíduos da espécie. Diferentemente dos bonobos, entre os golfinhos, é comum o registro de sexo homossexual entre trios de machos com o intuito de criação de laços e formação de alianças colaborativas.

Além da formação de alianças e coalizações para proteção, defesa e colaboração mútua, o sexo homossexual também já foi apontado como uma forma de reconciliação pós conflitos em publicações do célebre zoólogo e primatólogo Frans de Waal.

Ou seja, o sexo, além de ser usado para procriação, para obtenção de prazer e diversão, para estimular a confiança e união entre os indivíduos do bando, também é usado para resolver problemas e manter um ambiente de paz e tranquilidade. Muito parecido com o sexo humano, não?!

Não à toa, assim como as fêmeas humanas, as bonobos fêmeas demonstram uma sexualidade constante, não limitada apenas pelo período fértil, mantendo-se constantemente receptivas e à procura ativa de interações sexuais.

Todas essas evidências que corroboram a teoria de que o sexo é percebido pelas espécies como ferramenta social, estimulando o contato harmonioso entre os indivíduos e a satisfação plena, evitando assim conflitos, controlando os conflitos que ocorrem e garantindo a colaboração entre o grupo, promovendo um ambiente social mais harmonioso e pacífico.

 

Sexo por Prazer

Em diversas espécies já é um fato sabido pela comunidade acadêmica que o olhar mútuo durante o ato sexual e a estimulação genital para além da penetração são gatilhos para intesificar a liberação de ocitocina, hormônio responsável pela criação de vínculos, relaxamento e prazer sexual.

No exemplo dos bonobos, o ato sexual hétero e homossexual tem variações que podem estar ligadas à liberação desse hormônio. O sexo entre fêmeas geralmente ocorre com as bonobas de frente uma para a outra, com uma dança coordenada dos corpos para gerar um atrito satisfatório entre as genitálias, com maior estimulação do clitóris, além de proporcionar um contato visual direto. Situações que geram um contato social mais intenso que o sexo heterossexual.

O embasamento clínico-científico para essa linha argumentativa é que o nível de ocitocina é aumentado após o sexo entre fêmeas, mas não é aumentado após o sexo entre macho e fêmea.

Entre os golfinhos, além do sexo homossexual, interações sexuais em grupos também são recorrentemente registradas, sendo o intuito o puro prazer e diversão dos envolvidos, garantindo a satisfação dos indivíduos participantes. Reafirmando a teoria do sexo sem fins de cópula e sim por puro prazer, está outro hábito entre os golfinhos: o sexo oral, hábito mantido também independente do gênero.

Homossexualidade Para Além do Prazer

A homossexualidade no reino animal pode ser desencadeada por fatores diversos e geralmente é percebida com completa naturalidade entre os indivíduos da espécie. Alguns dos fatores são localização, fatores ambientais e climáticos, desequilíbrio na população de fêmeas e machos, afirmação social, fortalecimento do bando e, também, como visto anteriormente, o puro prazer.

Assim, há ainda outras espécies que mantêm relacionamentos homossexuais, muitas dessas com relacionamentos estáveis e duradouros e não puramente sexual. Veja alguns exemplos curiosos:

 

  • Albatroz-de-Laysan

Um caso de desequilíbrio na população de machos e fêmeas: 31% dos casais da espécie que habitam a ilha de Oahu no Havaí são formados por duas fêmeas. O duo aproxima-se de uma união homoafetiva: as fêmeas se juntam para adotar e cuidar de ovos abandonados por pais infiéis. O casal age em colaboração mútua na divisão de tarefas necessárias para chocar e proteger os ovos e buscar alimentos, mantêm-se monogâmicos e geralmente permanecem juntos por toda a vida.

  • Cisnes

O caso acima é muito similar ao dessa outra ave mais famosa – os cisnes! Cerca de 20% dos casais de cisnes também são homoafetivos e adotam ovos abandonados, permanecendo no mesmo núcleo familiar por toda a vida.

Mas não só isso: há casos também em que dois machos se unem, acasalam com uma fêmea e a repelem de seu convívio depois de ela botar os ovos, permanecendo apenas com sua relação homoafetiva.

  • Carneiros Domesticados

Já os carneiros domesticados apresentam um comportamento completamente diferente: 8% dos machos da espécie optam por manter relações sexuais com outros machos mesmo tendo a presença de fêmeas férteis circulando entre eles. O motivo? Desconhecido.

  • Girafas

Talvez um dos exemplos mais impactantes e surpreendentes: estudos indicam que cerca de 90% de toda a atividade sexual das girafas seja homossexual. E o sexo entre eles é demorado, a sessão de preliminares dos casais podem durar por até 01 hora!

  • Leões

Outro caso icônico! Leões machos costumam cortejar as leoas em bando, unindo-se em pares, trios ou quartetos para impressioná-las. Para fortalecer os laços entre si e reforçar a lealdade, entra o sexo entre eles. Essa relação sexual homossexual casual entre ‘amigos’ ganhou até nome: bromance, ou “romance de irmãos”.

  • Bisões

Outro representante do sexo homossexual entre os animais de grande porte. Mais da metade das relações sexuais entre bisões jovens são entre 2 machos. Isso porque as fêmeas só acasalam com machos uma vez por ano, então os jovens animais cheios de tesão aliviam-se entre si na maior naturalidade.

Ainda não está convencido? Pois há mais! As morsas, conhecidos por sua figura inusitada e inteligência, têm clara predileção homossexual. A espécie só atinge a maturidade sexual aos 4 anos. Até completar tal idade, mantêm-se quase exclusivamente homossexuais, depois a maioria dos machos acasala com as fêmeas na temporada de acasalamento, mas seguem com suas relações homossexuais no restante do tempo. E não param por aí: as morsas também são carinhosas, abrançam-se e dormem juntas a seus parceiros homoafetivos.

A Naturalidade do Sexo

Já deu pra perceber que a homossexualidade e até a homoafetividade é um padrão bem estabelecido no reino animal como um todo, passando pelas mais variadas espécies e por motivos diversos. Os animais tratam o sexo com extrema naturalidade e compreendem que ele não existe exclusivamente por uma obrigação de sobrevivência e perpetuação das espécies.

O sexo é sim muito mais que procriação e não há nada de sujo, vulgar ou imoral no ato sexual, que pode ser sim extremamente prazeroso, divertido e ajudar na organização e sucesso social das espécies mundo afora.

Não teria porque ser diferente entre o Seres Humanos, não é mesmo?!

 

Referências

Liza R. Moscovice, Martin Surbeck, Barbara Fruth, Gottfried Hohmann, Adrian V. Jaeggi, Tobias Deschner,
The cooperative sex: Sexual interactions among female bonobos are linked to increases in oxytocin, proximity and coalitions,
Hormones and Behavior, Volume 116, 2019

 

Imagem Destacada por Wikimedia Commons

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